quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Análise do conto A Moça Tecelã


Patrícia Adriana Corrente      


Colasanti retrata um diferente tipo de perfil feminino nesse conto, por recursos de uma fábula, a mulher independente, que constrói a cada dia seus sonhos, a mulher que se basta por si mesma, que consegue perceber a interferência negativa do homem em sua vida, e muda a situação a tempo, porém também retrata a mulher apaixonada “cega” de amores pelo seu homem, que faz seus gostos por amor, por acreditar em seus sonhos, para tê-lo ao seu lado.
A moça, no conto, é delicada, sensível, criativa, simples, não tem ganância, vive feliz em sua vida, dependendo afetivamente e socialmente só de si mesma. Ao fazer seu tempo e seu espaço, a moça traz, constrói, a necessidade de companhia, de um homem para crescer ao seu lado; ela trouxe alguém para a sua vida, um companheiro, talvez porque, a sociedade a impôs isso, a presença de um homem na vida de uma mulher, ela achou que realmente precisasse.
O homem, ambicioso, ganancioso, dominador e autoritário, entrou na vida da moça, com todos os seus desejos, não os mesmos da moça, mas, desejos materiais, não os de felicidade, mas de enriquecimento supérfluo. A moça moldou um homem para si, da maneira que viesse, usufruindo de suas qualidades e virtudes para seu bem próprio, sua satisfação pessoal. A moça, por algum tempo, submeteu-se aos caprichos do marido, fez para agradar, mas já não tinha vida, vivia para ele, perdeu sua identidade, sua autenticidade, simplicidade.
Percebeu, então, que o homem em nada havia acrescentado em sua vida, mas pelo contrario, deteve sua liberdade em se expressar, seus sonhos ele não valorizou, suas vontades ele fez como se não tivesse ouvido. A moça teve a autonomia de tomar sua vida para si, “desfez”o homem de sua vida, se impôs e voltou a sua antiga vida, onde era realmente feliz e realizada, sem a necessidade de um homem.
O homem, não a desejava, mas sim, tudo o que ela podia lhe proporcionar, lhe oferecer com seu mágico poder de tecer a vida, ele não admitiu a moça ter esse poder, não lhe cabe, o homem sentiu-se ameaçado, enclausurou-a, mas não se deu conta que ela ainda tinha consciência do que acontecia e de sua insatisfação.
A Moça tecelã é a representação da mulher autônoma, que vai à busca de seus objetivos, é o retrato da mulher que não se cala, não se acomoda e nem se submete à possível “autoridade” masculina.
Particularmente, o conto de Marina Colasanti me fez refletir sobre o amor em contraponto com a liberdade, ou seja, até que ponto um sentimento vale a liberdade,ou, o que é o amor para um é é prisão para o outro. Esse conto levanta dezenas de questões do universo feminino, dos sentimentos; do trabalho escravo, da submissão de um ser em relação a outro por prazer ou por comodidade; dos valores que cada ser tem ou não.
As grandes dualidades presentes neste conto são: liberdade/amor; valores materiais/afetividade; autonomia/submissão, tendo em vista essas dualidades citadas, verifico que a obra esta mais presente do que nunca em nossa vida cotidiana, o ser humano é um ser de contradições, é um ser suscetível a erros e a corrupção, claro que em uma abrangência maior. Não se adapta tão somente ao homem o poder de ser corrompido, mas também à mulher, porém se verifica no conto uma mulher meiga, de sentimentos puros e fraternos, de muitos sonhos e esperanças.
A situação de servidão da mulher perante ao homem, também é um fator marcante na obra, pode levar a questões sociais tão presentes no mundo de hoje, quanto antigamente, o trabalho escravo desempenhado por crianças, homens e mulheres em nosso país, e em regiões desprevilegiadas socilamente. A condição de submissão é imposta e não oferecida pelo corrupto, mas nesse conto prefiro levantar a situação de submissão de uma mulher que se carateriza por dona-de casa, a mulher que é obrigada a servir seu marido, obrigada a viver em um mundo que só é completo para ele. No desfecho do conto ocorre uma situação atípica, pois na maioria das vezes, em nossa realidade, a mulheres não conseguem se desvencilhar das amarras de um homem autoritário, vivem subjugadas aos seus caprichos, talvez por uma imposição social patriarcal ou pelo receio do novo, de uma vida independente.
Com relação, novamente, aos personagens a Moça e o Homem, verificou-se que não possuem nomes, isso nos leva a pensar que se caracterizam por tipos, representações de nossa sociedade, daí a proximidade do conto com a realidade, sucessivamente a proximidade do leitor com a obra., são seres que vivem dentro de uma fábula, poderia até dizer um conto-de fadas às avessas, mas que fazem parte da realidade de nossas vidas, Colasanti se valeu de uma fábula para representar o sentimento de muitas pessoas, as dores e talvez até o sofrimento de algumas mulheres.
O espaço e o tempo são marcantes na obra, pois eles se determinam conforme a vontade da moça, por intermédio do tear, se ela quer comer ela tece, se quer sol, ela tece, com quis uma companhia ela teceu, mas nesse momento ocorre uma ruptura, pois a partir do momento em que teceu seu homem, perdeu a vontade de tecer, pois tecia apenas os gostos de seu homem e para ele. O tear que antes era seu companheiro tornou-se instrumento do homem, para seu uso, mas com a habilidade da moça. No decorrer das leituras, verifiquei algo interessante, o espaço em que a moça é colocada pelo homem, “o mais alto quarto da mais alta torre”, se assemelha com um espaço muito conhecido e estigmatizado como feminino, a cozinha, espaço este que por muitos tempos era "único em que a mulher se sentia segura, e talvez por imposição era o espaço que mais frequentava". Assim como a moça do conto que fora submetida ao quarto no alto, longe de todos, para que ninguém soubesse do seu “poder" do tear, muitas mulheres são enclausuradas dentro de espaços ou dentro de si mesmas, por outras pessoas, afim de que não sejam descobertas por outros olhares. Colasanti consegue representar muito bem isso no conto.
Enfim, a moça tecelã está presente nas mães, filhas, empresárias, donas-de-casa e esposas de todos os dias, e não é por obra do acaso que a mulher continua sendo um ser misterioso e intrigante, presente sempre no mundo literário.

32 comentários:

  1. Muito interessante sua análise crítica! precisava de outras formas diferentes de pensamentos para finalizar minha interpretação da obra, Muito obrigado ajudou muito está de parabéns!

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  2. o conto é um texto literário, porquê?

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    1. Porque ele tem as características da literariedade, mas existem vários tipos de contos, até microcontos de uma linha.

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  3. É uma boa analise, mas em minha opinião um pouco radical em relação ao comparar amor com prisão, claro que tem um contexto e tudo mais, mas no geral foi a impressão que ficou, grande abraço

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    1. Oi, querido.

      Então, obrigada pelo seu comentário, na verdade, minha intenção não foi essa, tampouco estabelecer um sentido único para a obra. Este conto é bem reflexivo, eu puxei pro viés feminista, mas talvez tenham outros aspectos nas entrelinhas.
      Em minha opinião, o amor, pra personagem, se transformou, sim, numa prisão, depois ela conseguiu restabelecer o amor próprio.

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  4. Excelente análise, ajudou-me bastante na construção de meu artigo. Obrigada!

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  5. Nesta FÁBULA de MARINA COLASANTI, percebo como é irreal dizer que, num dado momento, perdemos o 'controle' de nossa vida, que o destino se faz por si só... Como A MOÇA TECELÃ, tecemos nosso 'caminho' com as escolhas que fazemos.

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  6. Nesta FÁBULA de MARINA COLASANTI, percebo como é irreal dizer que, num dado momento, perdemos o 'controle' de nossa vida, que o destino se faz por si só... Como A MOÇA TECELÃ, tecemos nosso 'caminho' com as escolhas que fazemos.

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  7. Parabéns pela análise, me ajudou muito!

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  8. Muito interessante está fábula, por apresentar um perfil de uma mulher com muita autenticidade naquilo que deseja para si. Capaz de ter um poder de decisão no momento em ela percebe a perda controle de sua vida.

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  9. Uma pergunta sobre este texto, "que relação a entre o trabalho de tecer realizado pela moça e as condições climáticas?" Espero q me responda,e er uma otima análise 😄

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  10. inicialmente o que representava o tear na vida da jovem tecela . por que

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  11. Qual é o conflito que desencadeia toda a história

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  12. Simplesmente maravilhosa sua análise!!!!

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  13. Adorei a análise do Conto!
    Mostrou-me outros aspectos que ao meu ver é clara a constante violência contra a mulher. Lindo Conto!
    Grata

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  14. Aprecio muito este conto... É a MULHER acordando para a VIDA real... Como no filme "O SHOW DE TRUMAM", ela percebe que o que a sociedade espera que ela viva e apresenta como o CAMINHO perfeito para a FELICIDADE, não é uma fórmula que se ajusta a todas as almas femininas e, também, nada pode ser controlado... Ela desvenda a liberdade de ser ELA própria, o poder de realizar suas escolhas sem intervenção de nada e ninguém..."TORNA-TE TU, E APENAS TU!"

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  15. ''companheiro, talvez porque, a sociedade a impôs isso, a presença de um homem na vida de uma mulher'', e você acha que você nasceu como? Da presença de um homem na vida de uma mulher! Ou sua mãe te teve sozinha?

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  16. Quais as expectativas da moça em relaçao ao casamento?

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  17. EXCELENTE. EU INDICO ESSE TEXTO PRA TODOS QUE QUER SABER MAIS SOBRE O CONTO.

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  18. Muito obrigado. Me ajudou bastante a entender.

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  19. Gostei da sua análise. Porém não sei se foi o que quis dizer, mas não acho que o amor seja uma prisão ou algo imposto pela sociedade, mas sim um desejo como qualquer outro. Pra mim o conto serve para refletirmos sobre nossas ações e escolhas tanto o homem quanto a mulher e não olharmos somente para nós mesmos, mas também se importar com o(a) parceiro(a).

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