terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

As mulheres de Marina Colasanti



Patrícia Adriana Corrente

Marina Colasanti é uma das escritoras mais importantes da literatura brasileira, palestrante requisitada, ensaísta, contista, autora e um dos maiores nomes em termos de escrita feminina, dentre suas obras destacam-se as coletâneas de contos: Penélope manda lembranças, O Leopardo é um animal delicado, Contos de amor rasgados, dentre outras. Nesse artigo irá se observar a postura e papel de três personagens femininos em três contos de Colasanti: “Para que ninguém a quisesse”, “A moça tecelã” e “Luz de lanterna, sopro de vento”, respectivamente das coletâneas de contos: “Contos de um amor rasgado”; “Doze reis e a moça no labirinto do vento” e “Um espinho de marfim e outras histórias”.
Colasanti procura discutir comportamentos estigmatizados dentro da cultura há séculos, que sugerem um papel secundário à mulher e diversos âmbitos sociais, sua obra assim caracteriza-se como representação da experiência social feminina. A autora crê que vai se levar mais de um século para se modificar a maneira como os homens retrataram a mulher ao longo dos anos e essa tarefa caberá às escritoras. Marina Colasanti combate a escrita feminina “mulherzinha” que não é a melhor maneira de retratar a mulher, pois assim assemelha-se a uma caricatura, algo cômico, assim a mulher  não marca presença no mundo literário. Com sua sensibilidade, Colasanti explora os abismos da alma feminina, suas obras provocam a reflexão, uma viagem dentro de nós mesmos, evoca os sentimentos, as relações, as realidade do cotidiano, isso a tornando uma escritora que proporciona uma identificação com seu leitor.

A análise das personagens femininas nesse trabalho se dará por meio de um tipo de narrativa, o conto:

“É uma narrativa mais curta que tem como característica central condensar conflito, tempo, espaço e reduzir o numero de personagens. O conto é um tipo de narrativa tradicional [...], ainda que tenha adquirido características diferentes, por exemplo, deixar de lado a intenção moralizante a adotar o fantástico ou o psicológico para elaborar o enredo”.
(GANCHO,2004)

A partir dos contos dar-se-á a análise das personagens com base na representação da mulher, do Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa: REPRESENTAÇAO, S. J. Ato ou efeito de representar; exibição; coisa que se representa; reprodução do que se tem na ideia; [...] (FERREIRA, 1968); a autora tem em mente a ideia da mulher ou de várias delas, e a representa em seus personagens.
Mulheres de diferentes papéis são representadas na obra de Marina Colasanti, a diversificação de características em suas personagens torna  seu trabalho com caráter verossímil.
A escrita feminina tem suas particularidades, pois denota maior sensibilidade às questões exteriores, assim como às questões internas e psicológicas da mulher. Anteriormente a mulher era representada pelo “olhar” masculino, ou seja, o feminino era retratado de acordo com a maneira mais apropriada ao homem, salvo quando escritoras utilizavam pseudônimos para divulgar suas obras.

“Para que ninguém a quisesse”

 O conto “Para que ninguém a quisesse” é composto por duas personagens, que se apresentam como “o homem” e “a mulher”. Nesse momento, a autora traz uma mulher como muitas, de certa forma ela aproxima o conto da vida pessoal do leitor.
Como muitas outras a personagem feminina, no conto, é limitada aos caprichos do marido, ele é exigente: “[...], e ele, foi obrigado a exigir que eliminasse os decotes [...]”, é claro que nesse trecho a “obrigação”que o homem sentia em repreender a mulher, surgia, a medida que ele observava olhares para sua esposa, sentia medo de perdê-la para outro homem.
O homem notava que sua mulher chamava muito a atenção dos demais homens, pela sua beleza, graciosidade, enfim, tratou de desbotá-la, deu fim aos artifícios para que ficasse “feia”, ela como esposa submissa, passiva, “obedeceu” às ordens do esposo, este que não lhe dava outra opção. A mulher perdeu seu brilho, sua vivacidade, transformou-se apenas em mais um objeto da casa, de uso de seu marido. O homem, como todo outro homem, deixou também de olhá-la, quis trazer de volta o seu desejo, não sua mulher, sua autenticidade, mas necessitava sentir desejo por ela novamente. E quando disso se deu conta, quis presenteá-la por meio de artifícios, para que seu desejo se reascendesse. A mulher, apática, não mais sentia motivação para ser ela mesma, e não sentia mais a necessidade de estar bela, sentiu em certo momento essa necessidade, mas fazia para seu marido, e quando para ele, ela “estar bela” não foi interessante, da vontade dele, fez a sua e se acomodou, aceitando o capricho do marido.
Há muito tempo a visão de que a mulher deve submissão ao homem esta presente, Russeau dizia “a mulher é destinada ao casamento e à maternidade”, apesar de a mulher ser amparada por lei, o preconceito e os paradigmas estão ainda incrustados em nossa cultura. A Constituição Federal de 1988, afirma que:

Art. 226. [...] § 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

O que se subentende pela lei, é que a mulher tem os mesmos direitos que o homem, mas não é o que se vê no cotidiano, mulheres como a do conto “Para que ninguém a quisesse” passam por situações parecidas diariamente, sob o olhar atento dos maridos, sem poder desenvolver seu lado psicológico e social, mulheres que se quer  podem manter relações com o mundo exterior que não o de casa. Del Priore afirma que: na sociedade tradicional e conservadora, a mulher não tem estatuto sozinha, ou seja, fora do casamento. O casamento “é a única instituição que lhe permite realizar-se enquanto ser social” (DEL PRIORE, 1995:141), isso nos transmite a ideia de que a mulher não é um ser, mas sim um ser que depende do homem para desenvolver-se nos diversos âmbitos sociais.

“Moça tecelã”

Colasanti retrata um outro tipo de perfil feminino nesse conto, por recursos de uma fábula, a mulher independente que constrói a cada dia seus sonhos, a mulher que se basta por si mesma, que consegue perceber interferência negativa do homem em sua vida, e muda a situação a tempo.
A moça, no conto, é delicada, sensível, criativa, simples, não tem ganância, vive feliz em sua vida, dependendo afetivamente e socialmente só de si mesma. Ao fazer seu tempo e seu espaço, a moça traz, constrói, a necessidade de companhia, de um homem para crescer ao seu lado; ela trouxe alguém para a sua vida, um companheiro, talvez porque, a sociedade a impôs isso, a presença de um homem na vida de uma mulher, ela achou que realmente precisasse.
O homem, ambicioso, ganancioso, dominador e autoritário, entrou na vida da moça, com todos os seus desejos, não os mesmos da moça, mas, desejos materiais, não os de felicidade, mas de enriquecimento supérfluo. A moça moldou um homem para si, da maneira que viesse, usufruindo de suas qualidades e virtudes para seu bem próprio, sua satisfação pessoal, a moça por algum tempo, submeteu-se aos caprichos do marido, fez para agradar, mas já não tinha vida, vivia para ele, perdeu sua identidade, sua autenticidade, simplicidade.
Percebeu, então, que o homem em nada havia acrescentado em sua vida, mas pelo contrario, deteve sua liberdade em se apressar, seus sonhos ele não valorizou, suas vontades ele fez como se não tivesse ouvido. A moça teve a autonomia de tomar sua vida para si, “desfez”o homem de sua vida, se impôs e voltou a sua antiga vida, onde era realmente feliz e realizada, sem a necessidade de um homem.
O homem, não a desejava, mais sim, tudo o que ela podia lhe proporcionar, lhe oferecer com seu mágico poder de tecer a vida, ele não admitiu a moça ter esse poder, não lhe cabe, o homem sentiu-se ameaçado, enclausurou-a, mas não se deu conta que ela ainda tinha consciência do que acontecia e de sua insatisfação.
A Moça tecelã é a representação da mulher autônoma, que vai à busca de seus objetivos, é o retrato da mulher que não se cala, não se acomoda e nem se submete à possível “autoridade” masculina.

“Luz de lanterna, sopro de vento”

Nesse conto, a personagem feminina apresenta-se como a representação da mulher que ama, que espera por seu homem, não de maneira submissa, dependente, mas sim, o amor que cuida, o amor que sente falta e se preocupa.
A figura feminina representada no conto “Luz de lanterna, sopro de vento” difere-se das duas anteriores personagens já mencionadas e é possível compará-la com a moça de “Moça tecelã”, verificando assim características antagônicas. A mulher nesse conto é o retrato da mulher apaixonada, que ama “seu homem”, sente sua falta e precisa de sua presença; sua posição indica um caráter servil, de submissão, porém, essa característica se difere da mulher apresentada no conto “Para que ninguém a quisesse”, pois essa é submissa e passiva, mas não se sente feliz com sua posição, ao contrário daquela que assume sua posição com gosto, sente satisfação em ser a mulher de um homem, em amá-lo.
O conto sugestiona uma metáfora com os antigos contos de fada, onde a “princesa” (mulher) espera pelo príncipe encantado que vem a cavalo ao seu encontro, para que vivam felizes para sempre. Ainda há a idéia de propriedade nos termos de tratamento utilizados no conto como: “seu homem”; “seu marido”; “o marido”, “a mulher”.
A lanterna acesa toda noite pela mulher é a simbologia da necessidade da presença do marido, da demonstração de seu amor, a imposição de seu retorno para cara, para que voltasse para ela e não para outra mulher. Em seu primeiro retorno o homem se apresenta duro e ríspido, em decorrência da guerra, pedindo que não mais acendesse a lanterna, pois a falta que a mulher sentia dele o impedia de cumprir seu dever de guerreiro.  O distanciamento dos dois simbolizados pela lanterna não mais acesa modifica a relação temporal, os dias e noites passam rápidos para ambos, para que em seu definitivo retorno, o homem traga suas antigas características: “contorno doce”, “sem couraça”, “retendo o sorriso nos lábios”. Ainda na noite de seu retorno, o homem “acende a lanterna” porque naquela noite não queria dormir, mas sim reconciliar-se com sua mulher, manteve a lanterna acesa para que o  brilho da luz o chamasse até sua mulher.
A mulher nesse conto ama incondicionalmente seu homem, mas respeita sua vontade, dedica-se a ele, e o espera, ela sabe que ele voltará, tem a certeza da reciprocidade de seu amor, essas características levam-na à um perfil submisso e servil, porém, para a mulher essa posição é agradável e satisfatória, seu amor lhe basta.


Referências:

CAVALCANTE, Betânia Carreiro – A opressão da mulher. Mulher em questão. Maceió: Universidade Federal de Alagoas, 1987. p 59 – 62.

MURARO, Rose Marie – Conclusão: A mulher no terceiro milênio. A mulher no terceiro milênio: uma história da mulher através dos tempos e suas perspectivas para o futuro. Rio de Janeiro: 3º ed. Rosa dos Tempos, 1993, p 191 – 199.

COLASANTI, Marina. “Luz de lanterna, Sopro de vento”. In: Um espinho de marfim e outras histórias.  Porto Alegre: L & PM, p. 39, 1999.

COLASANTI, Marina. “Para que ninguém a quisesse”. In:  Contos de amor rasgados. Rio de Janeiro: Rocco, 1986, p. 111 – 2.

COLASANTI, Marina. “A moça tecelã”. In Doze reis e a moça no labirinto do vento. Rio de Janeiro: Global Editora, 2000.



4 comentários:

  1. Patrícia com muita propriedade tratou do belíssimo texto Para que ninguém a quisesse” Foi o meu primeiro contato com a obra da COLASANTI, na aula de mestrado foi interessante... Gostei do seu comentário sensível e profundo.

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  2. Oi, querido!

    Que ótimo que você gostou! Escrevi esta análise há uns 5 anos, mudaria algumas coisas, algumas concepções que faziam parte de mim naquela época. Mas assim como nós mudamos, nossos textos e escritas também mudam,não é? Muito obrigada!

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  3. De que maneira a personagem principal persegue seu objeto de desejo? Luz de lanterna sopro de vento

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  4. Bom saber de mais pessoas que estudam a obra de Marina Colasanti.

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